A planta pendurada com um arame num gancho na parede do terraço chama-se Vanda, tipo de orquídea de raízes aéreas. Sobreviveu à Wanda, dona quase homônima, que nunca soube interagir com verdes. Talvez o “duplo v” da consoante primeira originasse o mal jeito.
A natureza fez seu trabalho, independentemente da dona, e a do “v” resistiu. Mesmo quando Wanda esqueceu-se de colocá-la num balde com água. Mesmo quando a deixou por um dia inteiro no tal balde. De manhã, no percurso do quarto para a cozinha, olhava pela janela do terraço. Via Vanda através da porta envidraçada. Iria colocá-la na água. Entre a chaleira no fogo e um pão com manteiga, a verde do terraço desaparecia. Ia se lembrar dela só na manhã seguinte, no habitual percurso para o café da manhã. E só porque estava exposta, por detrás do vidro, iluminada pelo sol, com ou sem nuvens.
No verão, as chuvas supriram as hidratações. No inverno, depois de uma ausência de quatro dias em compromisso de trabalho, a do “w” foi checar a do “v” e não gostou do que viu. Parte das raízes aéreas, as mais longas, viçosas e robustas, estavam secas e murchas. A de carne e osso, tapou os lábios com uma das mãos e fechou os olhos. Baixou a cabeça e pediu desculpas para a comadre de clorofila e folhas. Correu pegar um balde e, por uma semana inteira, hidratou a do terraço sem falhas. Os secos eram irreversíveis. Entretanto, novos brotos de raízes, em tocos ou com algum comprimento, puderam aproveitar a atenção fiel de sete dias.
A prática com verdes não foi adquirida no oitavo, nem no nono, nem no décimo dia. A água veio no décimo primeiro e manteve-se até o décimo quarto. Nova pausa e reinício de intermitências. Os brotos foram hidratados na medida da memória e das falhas de Wanda. Pedia-lhes desculpas por sua falta de jeito a cada esquecimento. Dias de remorso.
Quando Vanda floresceu, foi um espanto. Estava ali, em seu silêncio vegetal, vivendo um dia de cada vez. Na harmonia de quem precisa de pouco para existir. De quem não faz estardalhaço quando o corpo apresenta alguma perturbação. Talvez a dona dependesse mais dela do que o contrário. Talvez a do terraço nem ligasse para a do “w”. Agradeceu pelas lindas flores que lhe mostrava. Agradeceu por ter resistido apesar dela. Agradeceu por lhe ensinar a se importar. Agradeceu a sobrevivência.
Sabia, agora, que seus filhos também floresceriam, onde quer que estivessem, independentemente da mãe que tinham.
Elissa Khoury
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