O livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés, foi publicado em 1992 e voltou à cena nos últimos anos com edição especial e diversos grupos de estudos. O que significa correr com os lobos e por que essa retomada? São perguntas que me fiz há quatro anos e tenho descoberto seus tesouros desde então.
A obra não chegou em minhas mãos na década de 1990. Foram necessários 30 anos até que minha atenção se voltasse a ela e à autora. Isso aconteceu num momento de vida em que a riqueza das narrativas orais se revelou a mim como uma explosão de cores. Cada pigmento, tom e nuance, com suas características próprias, formando um quadro repleto de sentido e significado.
Fui “curiosar” sobre a autora. Clarissa é psicanalista junguiana, poetisa, contadora, cantadeira, imersa nas tradições orais desde a mais tenra infância. Fez doutorado em psicologia etnoclínica, especializou-se em tratamento pós-traumático e desenvolveu um protocolo de recuperação difundido pelos quatro cantos do mundo. Estudou mitos, contos, lendas das mais diversas culturas, revelando muitas de suas camadas de compreensão. Sua trajetória traz a esperança de volta para quem a perdeu e se perdeu, e as narrativas orais são um meio de fazer isso.
O que é o arquétipo da mulher selvagem, apresentado na capa do livro? É a referência a uma parte nossa que, às vezes, fica esquecida. Segundo a autora, em cada mulher existe uma natureza selvagem, original. Essa natureza se contrapõe aos moldes civilizatórios impostos pelas diferentes culturas. Ela é alerta, madura, fareja o perigo, sabe lutar e se defender. Também tem passos leves e se movimenta livremente pelos ambientes, observando e colhendo informações. Avisa-nos sobre o perigo, oferece acolhida quando nos fragilizamos e nos fortalece para que sigamos em frente.
Acontece que, muitas vezes, as exigências cotidianas nos distanciam dessa natureza sábia. A pilha de tarefas engole aquela meia horinha em que queríamos cuidar de nós mesmas. Não nos sobram 15 minutos, às vezes, nem 5... Sem percebermos, já não lembramos aquela que somos debaixo de pilhas de demandas acumuladas.
O livro é grande, mais de quinhentas páginas, com 14 contos que tratam de algum aspecto do feminino. A simbologia de suas partes é explicada em detalhes e, a cada leitura, abre novas compreensões. Podem ser trabalhados de tantas maneiras quantas nossa criatividade alcança: vivências biográficas, leitura, contoterapia, atividades artísticas, grupos de estudos, oráculo para momentos desafiadores, dinâmicas de escrita criativa são algumas possibilidades.
O tamanho pode assustar; a linguagem, também. Ao menos para quem ainda não tem familiaridade com imagens, metáforas e simbologias. Tão logo se perceba o poder de síntese dessa linguagem, um novo vocabulário nos habita: “olha o Barba Azul aí”, “roubaram minha pele”, “vou consultar minha boneca”, “quero me livrar desses sapatos”, “essa é minha torta de laranja com noz-moscada”.
Correr com lobos é ampliar o olhar para nossas diferentes partes. Somos plurais, complexas e mutantes. A cada ano descubro novos tesouros e possibilidades de correr com eles. E você, conhece esse livro?
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