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  • Foto do escritorElissa Khoury

Briga na madrugada



Não. Sim. Nunca. Agora. Jamais. Sempre. A briga é categórica. Cada qual firme em sua posição, com todas as defesas armadas contra os opositores. Inflamam-se, sobem o tom, escutam apenas a si mesmos. Não! Sim! Nunca! Agora! Jamais! Sempre! O barulho acorda a vizinhança. Como ter paz com tais opostos?

Assim é a dualidade: de lá para cá, de cá para lá. Ação e reação, como descreveu Newton, em sua terceira lei sobre os movimentos e suas causas. Numa paráfrase da lei, a cada ação corresponde uma reação, de mesma força e intensidade, mas em sentido contrário. Dois gigantes, um de cada lado, em pé de igualdade. Determinados, idealistas, prontos a entregar as vidas em vez de desistir da batalha. Guerreiros treinados, defensores de seus pontos de vista. NÃO! SIM! NUNCA! AGORA! JAMAIS! SEMPRE!


Vizinhança se desespera. Denúncia sigilosa convoca o Programa de Silêncio Urbano (PSIU). É preciso um terceiro, capaz de criar uma ponte, uma solução. Capaz de recompor a unidade perdida na cisão entre esses díspares. A terceira perna, que faz qualquer banqueta se equilibrar.


A chegada do Talvez interrompe o conflito. Não fala nada. Sua presença emana uma harmonia inexplicável. A voz cristalina, firme e serena diminui o fogo dos ânimos exaltados. Pede para ouvir os dois lados, separadamente. Ouve-os. Ajuíza. Cada qual tem sua razão e, segundo seu próprio ponto de vista, está certo. Ambos têm motivos para defender suas posições. A terceira lei de Newton não recebe o estatuto de lei à toa. O Talvez sabe. O contraste é o que faz a mente conhecer as coisas. A dualidade é necessária para o conhecimento, que precisa ser superado pela sabedoria. O Talvez forma o triângulo e traz consigo o Às Vezes e o Em Breve.


Sim e Não ficam meio contentes e meio descontentes. O tal equilíbrio do caminho do meio, o fio da balança.


A balança há de perder o fio, porque dualidades são o que são e fazem o que sabem fazer: assumir lados opostos e defendê-los a qualquer custo. Por hora, deixemos que durmam. Vizinhança se recolhe em paz. Que tenha bons sonhos nesse resto de madrugada.


Elissa Khoury

 
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