Ela é adulta, no verão da vida, com seus altos e baixos, luzes e sombras. Casada. Seu relacionamento afetivo já dura 18 anos. Sobreviveu a mudanças de endereço, de país, reformas de casa, desemprego, empréstimos bancários e investidas de terceiros, de ambos os lados. Ela e o amor conjugal acreditam que a relação se constrói no dia a dia, com alegrias e tristezas. Segundo diz, enquanto olharem para o mesmo horizonte, “o que os une será sempre maior do que o que os separa”. Frase tirada de um filme, incorporada ao próprio vocabulário, pela concisão e eficiência. A eterna distinção entre essencial e acessório.
Várias foram as vezes em que os acessórios se tornaram tantos que mal se podia enxergar o essencial. A isso, dá o nome de crise. O casal experimenta a fuga, a paralisia ou o enfrentamento, alternadamente, conforme o tamanho da desavença. Crises que já oscilaram desde a lata de óleo que nunca volta para o armário depois de usada até a decisão sobre apresentar ou não aos filhos algum tipo de religião.
Dois são os filhos, porque foi o que coube na idade, na rotina, na preocupação e no bolso, não necessariamente nessa ordem. Se a vida fosse como filme de entretenimento, teria engravidado mais vezes, dormido bem nos primeiros meses de cada recém-nascido, cuidado de si, da casa e da profissão, tudo isso, plena. E as crianças já nasceriam sabendo das coisas, claro. E jamais sofreriam acidentes graves. Ri.
Filme de entretenimento serve para que mesmo? Distraem da realidade que sufoca. Uma suspensão, às vezes, necessária. Acontece que o acessório tem a incrível capacidade de se fazer passar por essencial. O problema é tornar-se vício. De um instante a outro, imperceptivelmente. Esteve viciada, repetidas vezes. O fato de seus vícios serem lícitos, não minimiza sua dependência. Prisioneira igual, de si mesma.
As mazelas diárias vêm e vão, como os dias de sol e de chuva. Vida. A cada virada de ano, renova a energia em busca da liberdade. Persistir é o que a faz sair da cama todos os dias. E o horário da escola dos filhos, pequenos demais para assumirem a responsabilidade de se levantarem sozinhos. Serão sempre pequenos demais. Persistirá.
O pulsar cardíaco. A expansão e contração dos pulmões. Ambos revelam que tem o minuto agora. Agarra-se a ele. Desiste do emprego tóxico num salto de fé que ainda não tem. Diante da morte exata, arrisca-se. Sobrevive. O companheiro assume a provisão da família como pode. A dimensão da casa diminui, junto com o valor do aluguel e as despesas desnecessárias. Restringe-se ao essencial. Vida que simplifica.
Não desempenha mais um papel no mercado de trabalho. Não se reconhece apenas com tarefas domésticas. Não sabe mais com o que se identificar. Não sabe. Não. Respira. Por enquanto. Só por enquanto.
Elissa Khoury
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