Li um romance uma vez em que o autor descreveu a infância como uma época em que tudo era começo e não havia fins. Foi assim que experimentei a infância – pelo menos até o momento em que descobri a morte.
A morte é a situação mais estressante que enfrentamos. Sabemos que morreremos algum dia, mas é difícil acreditar. Dizem, inclusive, que no inconsciente a nossa morte é alternativa inexistente. Como se ela não acontecesse conosco, só com nossos vizinhos ou pessoas desconhecidas. Até que um dia, saímos da cama, olhamo-nos no espelho e vemos a face dela, bem ali, onde nossa juventude estava. Alguns de nossos parentes não vivem mais. Não vamos mais vê-los. Como isso é possível? Como aconteceu? O que fazer?
O principal problema é não lidarmos bem com a transitoriedade da vida. Não queremos que nossos bons momentos terminem. Se pudéssemos, sempre teríamos boa saúde, força e juventude. Estaríamos cercados por aqueles a quem amamos e eles nunca nos deixariam. Entretanto, para além de nossos quereres, existe a realidade. Transitória. Quanto mais recusamos a ideia do fim, mais sofremos com isso.
Minha primeira perda significativa foi a morte de um avô, aos meus dezoito anos. Já não era criança e, mesmo assim, tive um choque. Não conseguia entender a concretude da ausência. Como era diferente das histórias dos livros. Como doía. Busquei respostas, mas só encontrei perguntas. Naquela época, não entendia estar lidando com a própria vida. Com a vida de todos, inclusive a minha.
É difícil lidar com o desconhecido, mais difícil gerenciar a sensação de nunca mais. Nossa existência é um mistério. O lugar de onde viemos e o lugar para onde vamos quando não estivermos mais aqui é matéria que deixo para a verdade de cada um. Respeito-as todas. Como ainda não tenho a minha, silencio. Sei que tenho o aqui. Por enquanto.
Conforme a gente cresce, vai aprendendo a viver e descobre que vida é mudança. Todos os dias estamos nos despedindo das coisas. Na verdade, de fato, só temos o hoje, o aqui e o agora. O que será de nós amanhã pode (ou não) ser uma continuidade do hoje. Se estivermos com saúde, a probabilidade leva a crer que teremos mais um dia de vida, mas quem garante?
No processo de finitude de meu pai, apresentamos aos meus filhos a doença dele e tivemos a possibilidade de vê-la avançar lentamente. Tivemos tempo de experimentar todas as sensações que a finitude traz: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Sensações paralelas, misturadas, sobrepostas, confusas, doloridas, mas vividas junto. Ter tempo foi um privilégio; estar junto, um conforto; poder conversar abertamente, um alívio. Descobri que quanto mais me permiti sentir tudo o que sentia e quanto mais sincera fui com meus filhos, mais dei a eles a chance de se expressarem também. Dor dividida fica mais leve.
Coisas boas e ruins vão nos acontecer de qualquer jeito. O que me ajudou foi saber que hoje é possível falar sobre a morte e a dor com mais naturalidade. Fui atrás das obras da Elizabeth Kubler-Ross, participei de uma oficina ministrada pela Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, conversei com pessoas, conheci melhor os cuidados paliativos, enfim, encontrei mãos que me deram as mãos. Estar junto fez toda a diferença.
Elissa Khoury
Nascido em família católica, desde cedo fui ensinado que as pessoas boas, quando morrem, vão para o Céu. Lá, encontraríamos Deus Pai, Seu filho Jesus, que quis ser nosso irmão, e Maria, que Ele nos deu por Mãe, além de todos os santos e santas e dos anjos. Deveria ser o Paraíso, mas confesso que, como criança, esse ambiente celeste me dava um pouco de medo. Afinal, se eu morresse e fosse para lá, estaria entre um monte de gente desconhecida para mim. Melhor me parecia ficar por aqui mesmo, com minha família, entre parentes e amigos, pessoas que eu amava desde sempre. O tempo passou, a criança cresceu (em tamanho e idade, pelo menos), e eu comecei a perder…