Com a chegada de novembro, minha avó percebia uma agitação no ambiente. Algo que ela definia como “a síndrome de fim de ano”. Síndrome, porque, à medida que os dias passavam a tal agitação crescia. Como se uma condição clínica acometesse as pessoas.
O fechamento de um ciclo para o início de outro poderia ser um tempo de conexão, cuidado, serenidade. Em vez disso, virava agitação, irritabilidade e impaciência. Sonhos de um ano melhor, misturados com endividamentos de final de ano.
Num caderno de anotações da irmã dela, li uma frase que me cutucou: “foi tanta correria neste Natal que não tive tempo de pensar no menino Jesus”.
Novembro de 2023 começa e, com ele, quero o tempo de pensar nesse menino. Mais do que isso, quero o tempo de me dedicar à vertical que me habita, independentemente de religião.
Observar a natureza e perceber que nela há uma sabedoria maior do que qualquer uma que eu venha a ter é cuidar da vertical. Acreditar que a vida não tem sentido quando nos dedicamos apenas à sobrevivência é cuidar da vertical. Entender que em cada um de nós existe a capacidade para o exercício das virtudes é cuidar da vertical. Quero olhar para isso, quero cultivar isso em mim e, nos meus pequenos passos, ir apaziguando guerras internas.
Criei o hábito de fazer retrospectivas mensais de meu ano. No final de cada mês, separo um tempo para olhá-lo, perceber o que me trouxe como forças, realizações e desafios. Se houve movimento ou paralisia, entusiasmo ou angústia. Onde pude fluir, onde empaquei; meus encontros e desencontros; os buracos dos quais desviei e aqueles em que caí. Se repeti os mesmos erros ou pude me aventurar em novos. Em março, comecei a criar “artes” que representassem o período observado. Que cores me trouxeram, que imagens, sensações?
Essas pausas mensais me fizeram mais consciente de minhas repetições e novidades, de meus medos e coragens. Olhei-me como personagem e como autora. Quando a autora não ficou muito feliz com o papel desempenhado pela personagem (ambas eu), tratou de lhe dar um puxão de orelha e desafiá-la a um movimento novo, mais produtivo. Assim me vi crescendo. De vez em quando, demorando no chão antes de me levantar. Levantei-me. As pernas bambas foram se fortalecendo no caminho. Ao menos até a próxima tempestade, que a gente nunca sabe quando e de onde vem.
Tenho aprendido que essas tormentas são do meu tamanho e intransferíveis. Elas trazem algum aprendizado que eu preciso ter, mesmo que não o entenda de imediato. Tarefa dura essa de aceitar (“Básico 1”) e ainda agradecer (“Avançado 5”) pelas tempestades. O jeito é respirar, se segurar no mastro e não se deixar levar pelas ondas gigantes.
Tudo começou em 2020, quando fui apresentada à jornada das Noites Santas. Reunimos um grupo de pessoas que se propuseram a preparar o sono para colher os sonhos que vinham entre os dias 24 ou 25 de dezembro (a depender do gosto do freguês) e 6 de janeiro de cada ano. Fomos nos dando as mãos e sustentando cada dia, com ou sem a lembrança onírica.
Comecei por curiosidade, só com um bloco de anotações ao lado da cama. Minha letra deixou frases indecifráveis e me fez buscar outros recursos internos, como sensações e emoções (que são coisas diferentes). Anotei tudo. Ao longo do ano, fui estabelecendo paralelos entre os sonhos dessas 12 noites e a retrospectiva dos meses do ano.
A curiosidade virou interesse, que virou caderno novo, encontro mensal, arte, autoconhecimento, conexão, sentido e vertical. Espero por essas noites como quando em criança esperava para pôr o menino Jesus no presépio. Finalmente ele tinha nascido!
Volto ao encantamento transformado, consciente, que tanto me alimenta e me dá forças para levantar. Vigiarei para não sucumbir à “síndrome de fim de ano” e poderei escrever em minha retrospectiva de dezembro, em homenagem à minha tia: “foi tanta vontade da vertical neste Natal que criei tempo de pensar no menino Jesus”.
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