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Foto do escritorElissa Khoury

Ocupação Gestos de Escrita



Quando terminei uma especialização em escrita, oferecida pel’A Casa Tombada, meu texto de agradecimento na monografia final refletia sobre meu percurso. Reproduzo-o aqui.


Inscrevi-me numa pós-graduação, porque vivo no mundo em que títulos são necessários. Porque sinto que só tenho valor quando corroborada por eles. Ainda não me percebo forte o suficiente para sustentar o que levo em mim, sem necessidade de assinaturas em papéis oficiais. O valor se atestará quando um grupo de pessoas certificadas e um papel assinado comprovarem minha capacidade de pesquisa, de fazer conexões e de articular pensamentos. Será?


Inscrevi-me numa pós-graduação de dois anos, com encontros semanais, boletos mensais e um título que me põe em risco. Nunca arrisco e, justamente por isso, matriculei-me. Não sei o que faço ali, não sei se pertenço. Talvez busque descobrir minha voz, talvez queira mergulhar em mim, talvez nada disso. Só preciso de um título. Será?


Inscrevi-me numa pós-graduação na incerteza de me saber no lugar certo. Corrijo: inscrevi-me na vida na incerteza de me saber no lugar certo. A pós é só uma extensão desse sentir. Será?


Inscrevi-me numa pós-graduação que me propôs a buscar qualquer marca, sinal, inscrição identificada como primordial de minha escrita, meu mito originário. Surge uma recolha, um depoimento, uma confissão do percurso que me traz até aqui. Ao escrevê-lo, ouço-me, leio-me, revisito lugares conhecidos com olhos de quinquagésima segunda vez. Ou será que de primeira? Talvez de segunda. Será?


Inscrevi-me numa pós de gestos. Ao longo dos encontros, descubro na sala virtual um espaço em que minha individualidade é acolhida naquilo que é: apenas mais uma individualidade em meio a tantas outras, todas olhando para um horizonte em comum – a procura de um gesto autêntico. Quando meu gesto revela a verdade que há em mim, ele toca o verdadeiramente humano do todo. De mãos dadas, vamos em busca do que nos une. Às vezes, deparamo-nos com o que nos fere, e isso também nos une. Será?


Inscrevi-me numa pós de riscos. Por enquanto, atenho-me a um bando com qual compartilho minhas segundas-feiras à noite e alguns sábados de manhã. Estar nele é um ato semanal de coragem, de visita a quartos escuros, de enfrentamento de dúvidas e sensações pessoais de fraude e inadequação. De resistência e/ou de teimosia. Será?


Inscrevi-me numa pós para ter um título. Para que ou para quem serve um título? Já não é por ele. É por essa sede de entender o que faço e como me faço nesse bando. Não um bando qualquer, mas este bando desta escrita gesto e risco que, dizem os regimentos internos, tem data para acabar. Acaba-se a pós, mas não o bando. Este bando. Meu bando. Será? Será.


Existe um bando e faço parte dele.


Descubro que a escrita não é caneta, papel, letra, abecedário ou gramática da norma culta. A pós me mostra que a escrita é corpo, gesto, caminhada, desenho, ancestralidade, biografia, lixa, faca, risco, canteiro de obras, música, vídeo, fotografia, ateliê. É dança, bordado, linha, memória, repetição, sulco, vinco, sonho e vazio. É como cada corpo se conta, é impressão digital, é o formato das mãos e dos pés. É cada um que se põe no mundo, que se diz no mundo em relação com o que está ao redor. Caleidoscópio, montanha russa, naufrágio, deleite, êxtase, melancolia, quartos escuros, luz do sol, infinito.


Meus gestos se revelam no percurso: curtos e abundantes. Pequenas frases tímidas como fios de água que foram ganhando corpo até virarem cascata, cachoeira, corredeira. Já não os contenho mais.


Hoje a pós vira ocupação. Os gestos do bando vão “circular, fazer mundos, ocupar um lugar”, nas palavras de Ângela Castelo Branco e Mariana Galender, coordenadoras do curso. Sigo no meu misto de resistência e teimosia, medo e encantamento, fraude e autenticidade. Se não com esse bando, com quem? Se não agora, quando? Como é que se atravessa isso tudo? De mãos dadas.


Deixo aqui o convite para quem quiser conhecer “os gestos da escrita como prática de risco”.

Ocupação Gestos de Escrita

Data: de 11 a 20 de novembro de 2023

Local: Casa das Caldeiras - Av. Francisco Matarazzo, 1650/2000 - Barra Funda - SP

Evento gratuito

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