A biblioteca pública Hans Cristian Andersen há anos oferece cursos gratuitos de formação para contadores de histórias em níveis básico e avançado, ministrados por Ana Luisa Lacombe, Ivani Magalhães, Kelly Orasi e Simone Grande. Nomes apresentados pela ordem do alfabeto, porque o texto pede algum tipo de sequência.
Este ano as formações aconteceram em ambiente virtual. Foram abertas 200 inscrições em cada nível, sendo apenas 40 candidatos aceitos por turma. Tive a chance de ser uma das participantes do ciclo básico. Um presente deste ano incerto.
Como parte da formação, assistimos a cinco palestras de profissionais da área, disponíveis a quem se interessar pela página do curso no Facebook.
Cinco vozes que nos trouxeram as muitas vozes das histórias. Histórias eternas, que resistem e ajudam-nos a atravessar qualquer tempo, preenchendo vazios e criando respiros em espaços prováveis e improváveis.
Regina Machado, madrinha-fada de asas que não se veem, ofereceu-nos sete conselhos: saber perguntar; deixar-se impregnar pelas histórias, para que elas nos habitem, silenciem-nos, contem-nos seus segredos; ouvir outras vozes de contadores antes de encontrarmos a nossa; ter parceiros com quem compartilhar inquietações, descobertas, caminhos; fortalecer nosso centro, lugar em que distinguimos o que nos faz crescer e o que é preciso deixar partir; criar um sistema de estudo próprio, que receba e alimente cada história até que ela amadureça para ser contada; ter um lugar íntimo, secreto, em que guardemos o mistério das histórias e da vida. (Confira aqui )
Giuliano Tierno resgatou a voz da tradição oral nos contextos urbanos. O que se costuma contar depois da lida diária, naturalmente, da boca ao ouvido, em comunidades humanas menores não tem espaço nas metrópoles. Moradores das grandes cidades veem-se privados do convívio agregador comum, desenraizam-se. Nesses contextos, as histórias fazem-se ainda mais necessárias. Elas sustentam a vida, o mundo: contam, cantam, resistem. Todas as vidas importam e as histórias eternas atuam em níveis profundos de ensinamento e de acalanto. (Confira aqui )
Cristiane Rogério trouxe-nos a palavra escrita e a riqueza de uma produção de histórias para a infância. Recorte feito mesmo sabendo que a arte não tenha idade. Obras em que texto e imagem compõem algo além, que nos tira do senso comum. Arte que também trabalha em níveis mais profundos, de múltiplas leituras, que nos ajudam a compreender a jornada humana. É preciso valorizar as grandes histórias sempre. (Confira aqui)
Giselda Perê, com sua vivência da busca pelas origens, mais uma vez nos apresenta a força das narrativas. Como o que nos contam sobre nós mesmos cria marcas indeléveis. Como é preciso desconstruir o que mina nossa dignidade e reconstruí-la em bases igualitárias. As raízes perdidas quando somos transportados da terra de origem precisam ser buscadas, conhecidas. O que se diz de nós, somos nós? Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Temos lugar? Voz? (Confira aqui)
Marco Haurélio fecha o ciclo com a imortalidade. Enquanto houver um único contador, a força das narrativas tradicionais persiste, resiste. Estudiosos se multiplicam, buscam, pesquisam, classificam, recolhem, registram e compartilham. Mantêm viva a sabedoria humana, plural e dinâmica. Sabedoria de vida, presente na fala popular, alheia a titulações acadêmicas. (Confira aqui)
Fica o fundo comum, que ressoa nas múltiplas vozes: o conhecimento ancestral. O mar de histórias, citado por Cristiane Rogério; a sucessão de fogueiras subterrâneas, permanentemente acesas, desde o início dos tempos, mencionado por Regina Machado; a importância de cada vida humana a repassar aquilo que sabe, na fala de Giuliano Terno; a busca pelas raízes e por uma identidade humana, trazida por Giselda Perê; e a certeza de que, apesar de todas as adversidades, as histórias seguem, como pontuado por Marco Haurélio.
Que saibamos valorizar esse tesouro que nos une, capaz de respeitar e ultrapassar as diferenças individuais, ensinando-nos o ponto em que nos igualamos.
Elissa Khoury
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