A gente só vira mãe quando o filho vem à luz. Nada explica a sensação de ver, pela primeira vez, a criaturinha que geramos dentro da barriga, do lado de fora. Não tinha contato com crianças nem bebês e idealizava a maternidade na sabedoria ancestral de todas as mulheres. De onde tirei isso, não perguntem. Devo ter vindo com defeito de fabricação, pois essa sabedoria sumiu, escondeu-se ou não foi colocada nos meus genes. O filho veio à luz, e a mãe se afundou na sombra das dúvidas e da ansiedade.
Os aprendizados do caminho dariam outra história, complexa, paradoxal e linda. Por enquanto, vejo-me em casa, exausta pelas noites de sono intermitente e muito choro (do bebê e meu). Chamo ajuda. Minha mãe vem atravessar uma noite comigo. De madrugada, nós duas no quartinho do bebê, sentadas na cama ao lado do berço, olhando nossa criaturinha. Já dei de mamar, troquei a fralda, verifiquei se está com calor ou frio, ninei-a no colo, deixei-a no berço e nada de parar de chorar. Que tipo de choro é? Não sei, nunca soube, nem no primeiro nem no segundo filho. Vim sem essa habilidade.
E agora? Que será que ele tem? Está alimentado, confortável e sequinho. O que mais falta fazer? Minha impotência me consome. A resposta de minha mãe é simples: “Calma, filha, ele está aprendendo a viver”. Ela segura uma de minhas mãos e faz um carinho. Apoio a cabeça em seus ombros e choro com o bebê. Estamos os dois aprendendo. A primeira mãe acolhe ambos. Aguarda meu desabafo e pede que vá dormir. Também não tem respostas, mas está descansada. Não me recordo se consigo dormir, mas sei que ele vai ficar bem.
Hoje, tanto tempo depois, ressoa o eco da frase simples. Ressoa em tudo. Estamos num aprendizado constante, cujo manual é a experiência diária. Sem garantias.
Pego emprestado um ensinamento de Drummond. A primeira estrofe do poema “não se mate”, publicada no livro Carlos Drummond de Andrade, poesia e prosa, editado pela Nova Aguilar, 1992. Livro em minhas mãos, página 49, para evitar remissões indevidas:
CARLOS, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
A vida também não é isso? Quem sabe o que nos aguarda na segunda-feira, na virada da esquina ou atrás daquela porta?
A ética e as virtudes humanas coexistem com os vícios, a preguiça, a indolência e o medo. Aprendemos a escolher o que nos torna melhores? Queremos nos tornar melhores?
Cada acerto em minha vida foi precedido por muitos erros, ou tentativas de acerto, ou oportunidades de aprendizado, conforme a preferência do freguês ao ver a água no meio do copo. O bom e velho exemplo, que explica tanta coisa na nossa vida. Passei muito tempo enxergando o meio vazio, até a voz de minha mãe ressoar na lembrança: “Calma, filha, ele está aprendendo a viver”. Eu também. Ela também. Ainda.
Quando me vejo como aprendiz, o meio cheio toma conta do copo. Meus aprendizados vêm da generosidade de quem partilhou o que tinha comigo. E da própria vida, que coloca as pedras certas no meu caminho, mesmo quando as considero grandes demais.
A vida não se ensina. A vida se vive e aprende-se vivendo. Do primeiro ao último dia.
Elissa Khoury
Elissa, que texto delicioso! Sim, somos eternos aprendizes, principalmente de nós mesmos.